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Luzes, câmeras, ação: um programa legal?
Parece incrível, mas a polêmica volta a incomodar os defensores de que o Processo Penal Brasileiro deve ter caráter garantista, observar as normas constitucionais e tratados de Direitos Humanos, e não um mero instrumento de punição estatal, como definido equivocadamente por décadas.
Sob o manto de precipitados argumentos relativos à segurança, rapidez, modernidade, economia, periculosidade de criminosos, enfim, do avanço tecnológico, o governo paulista sancionou lei que permite o chamado interrogatório por videoconferência, medida esta que deverá ser regulamentada em 90 dias, mas que já motivou o anúncio da Secretaria de Administração Penitenciária no sentido de iniciar tais videoconferências com prisioneiros e testemunhas neste mês de março, uma vez que começou a adquirir os equipamentos necessários.
Portanto, luzes, câmeras e ação! Diversos poderiam ser os nomes do filme, mas o gênero seria, com certeza o terror, mais especificamente, o terrorismo processual penal!
Antes de mais nada, é preciso diferenciar formalidades processuais sem sentido, de princípios e garantias que assumem formas e formulas processuais, as quais não se resumem em expressão de romantismo doutrinário ou resistência tradicionalista aos avanços tecnológicos.
Ressalta-se o vício de origem da lei paulista, uma vez que a competência legislativa privativa (entendida como sinônimo de exclusiva) para a produção de normas processuais penais é da União, não havendo que se falar em competência legislativa concorrente ou suplementar. Recentemente, aliás, a União promoveu a alteração do Código de Processo Penal, entre outros temas, o relativo ao interrogatório, reconhecendo a integração entre a defesa técnica e a autodefesa e propiciando - ou reforçando possibilidade – de visita das autoridades para a realização de tal ato nos estabelecimentos penais, sempre, no entanto, com a motivação de resguardo ao direito de presença do réu no momento de realização dos atos judiciais (cf. Lei n.º 10.792/03).
Mesmo argumentando-se que o Estado de São Paulo legislou sob normas de procedimento e não de processo, o que não é verdade, o vício persiste, pois não se pode regulamentar em 90 dias algo que não existe, como dito, na legislação competente (federal), ou seja, o interrogatório à distância.
O devido processo legal se substancia no modo como os atos processuais são realizados, na medida em que os princípios que o informam, como ampla defesa e contraditório são respeitados.
A presença do réu e sua condução perante o magistrado também é prevista pelos sistema internacional de defesa dos Direitos Humanos, decorrente de tratados internacionais ratificados pelo Brasil, que sempre possuíram status constitucional, e agora, mais do que nunca com a Emenda Constitucional n.º 45/2004, apesar de interpretações surgidas no sentido de retirar-lhes a aplicabilidade após a Reforma do Judiciário, em vista de trâmite especial previsto a partir de agora (v. art. 5.º, §§ 1.º, 2.º e 3.º da CF/88; art. 9.º, 3, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e, art. 7.º, 5, do Pacto de São José da Costa Rica – Decreto n.º678/92).
A complexidade jurídica do tema não permite discorrermos sobre todos os pontos desfavoráveis do interrogatório on line em breves linhas, mas alerta-se que o medo e a insegurança levam a ação política a revelar o uso de armas indevidas e ineficazes contra a criminalidade.
É possível sim, usando como instrumento a própria Constituição, rebater todas as teses decorrentes da ânsia penal terrorista, desde o fator economia, até o segurança, de modo que a discussão deve ser propagada no meio jurídico, entre os operadores do Direito.
Este o sentido do presente artigo, o qual, distanciando-se de termos técnicos, busca apenas alertar os advogados, como defensores do Estado Democrático de Direito, convocados ou não por suas entidades de Classe, principalmente os criminalistas, a lutar para que a velocidade processual apresente-se adequada, buscando-se ainda que a tecnologia assuma, no meio jurídico, apesar de inevitável, aspecto garantista, desacelerando nos momentos certos e necessários, a fim de que aberrações jurídicas sejam futuramente evitadas.
De qualquer modo, a lei paulista acarretará nulidades absolutas de atos judiciais, caso aplicada, esperando-se que os tribunais não deixem de observar a Lei Maior, impedindo-se que amanhã ou depois os Estados Federados passem a tratar de assuntos outros, em Direito Penal e Processual Penal, perante os quais é incompetente! Afinal, a Constituição deve ser o limite imposto à tecnologia no âmbito jurídico.
ÉRICK VANDERLEI MICHELETTI FELICIO
Advogado Criminalista, Pós-graduado em Direito Constitucional Brasileiro pela Universidade São Francisco –USF, Coordenador da Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC), na cidade de Sorocaba e Membro do Movimento Antiterror - MAT
Luzes, câmeras, ação: um programa legal?