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Direitos Humanos e sua formação histórica.
Foi por volta do século VI a.C., graças à perspicácia de Buda (Índia), Zaratustra (Pérsia), Confúcio (China), Pitágoras (Grécia) e Dêutero-Isaías (Israel), entre outros, homens que foram contemporâneos, mas que nunca se comunicaram, que, pela primeira vez na história, o ser humano passou a ser considerado, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Os pensadores citados são os responsáveis por lançar os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes.
Advém daquela época, portanto, o entendimento de que todos os seres humanos devem ter sua dignidade sempre respeitada, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, devido à radical igualdade "humana" que os caracterizam. Ninguém - nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação - pode afirmar-se superior aos demais. A defesa da dignidade humana passa a ser excelente instrumento para combater a violência, o aviltamento, a exploração e a miséria, infelizmente tão em voga nos dias atuais.
Logo em seguida ao período relatado a Filosofia ganha corpo e, com ela, pela primeira vez na história o saber mitológico da tradição é superado pelo saber lógico da razão. Com isso, o homem torna-se, em si mesmo, o principal objeto de reflexão e análise. É o humano que passa a ser valorizado. Por incrível que pareça, mesmo com o advento do cristianismo, em que a fé novamente se sobrepõe à razão, a idéia de que existe uma "natureza humana" em todos os humanos mantêm-se, graças à noção judaica de misericórdia e justiça que estabelece que todos os homens são iguais perante Deus e, como tal, devem ser iguais perante o tribunal humano, sem mais nem menos a uns e outros. Adicione-se a mensagem pregada de que "somos feitos à imagem e semelhança de Deus" (caracteriza a idéia de amor universal), e o conceito ecumênico do cristianismo (deixa de ser a religião de um povo escolhido), e tem-se uma igualdade essencial em todos os seres humanos. Foi S. Tomás de Aquino quem catalisou, no séc. XIII, essa idéia, dizendo que o homem seria um composto de substância espiritual e corporal. É aqui que ganha robustez a elaboração do princípio da igualdade essencial entre todos os seres humanos, que cristaliza a idéia de direito natural e forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos.
Ao entender que há direitos que resultam da própria natureza humana e, portanto, não são meras criações políticas, a estas serão impostos limites. Surge com isso a consciência histórica dos direitos humanos, ou seja, o reconhecimento de que as instituições de governo devem ser utilizadas para o serviço dos governados e não para o benefício pessoal dos governantes. E os principais movimentos históricos em que isso ocorre podem ser enumerados, como a Magna Carta inglesa em 1215, o Bill of Rights (fruto da Revolução Inglesa) em 1679, a Declaração do bom povo da Virgínia em 1776, a Revolução Americana em 1776 e a Revolução Francesa em 1779. Logo após esta revolução ocorrem movimentos de internacionalização dos direitos humanos. O primeiro teve início no século XIX e terminou com a 2ª Guerra Mundial, manifestando-se em três setores essenciais: direito humanitário, luta contra a escravidão e regulação dos direitos do trabalhador assalariado, este culminando na criação da OIT - Organização Internacional do Trabalho, em 1919. Após a 2ª Guerra Mundial a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da História, a necessidade de aplicar o princípio da dignidade humana. Como conseqüência é elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, momento em que há o aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos.
Outra vertente, também fundamental para a proteção dos direitos humanos, com forte relação com o cristianismo, é o ensinamento do filósofo Kant, no séc. XVIII. Com ele percebe-se que todo ser humano tem dignidade, e não um preço, como as coisas. O que se diz aqui é que a humanidade, como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível, ou seja, não tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma. Já a convicção de que todos os seres humanos têm direito a serem igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, só terá repercussão mundial muito tempo depois do período retratado no início do texto, quando uma organização internacional que une quase todos os povos, a ONU - Organização das Nações Unidas, declarou que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidades e direitos". O resultado disso é que todos os direitos humanos são considerados universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Portanto, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
É que a essência humana é uma só, indiferente à multiplicidade de diferenças, individuais e sociais, biológicas e culturais, que existem na humanidade. É exatamente por isso que todos os seres humanos merecem igual respeito e proteção a todo tempo e em todas as partes do mundo em que se encontrem.
Fonte: Jornal Carta Forense, novembro/2006
José Fábio Rodrigues Maciel
Advogado; Professor de História do Direito, Filosofia e Introdução ao Estudo do Direito; Mestre em Direito pela PUCSP; Editor Jurídico; Coordenador da Coleção "Roteiros Jurídicos" da Editora Saraiva; Co-autor da obra História do Direito, pela Editora Saraiva; Autor da obra Teoria Geral do Direito - segurança, valor, hermenêutica, princípios, sistema, publicada pela mesma editora. e-mail: fabiomaciel@adv.oabsp.org.br