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Artigos

Há jornalistas loucos para fazer papel de policiais.

por Carlos Brickmann



 

Um famoso marginal carioca, Lúcio Flávio Villar Lírio, que virou até herói de filme, costumava protestar duramente contra a corrupção policial. Queixava-se: “Polícia é Polícia, bandido é bandido”. Pouco depois, na pior fase da ditadura militar, uma das reivindicações da imprensa era proteger-se contra o exercício da profissão por policiais que se faziam passar por jornalistas. A luta para que Polícia e jornalismo não se misturassem teve grandes vitórias. Agora, infelizmente, vemos muitos jornalistas loucos para desempenhar funções policiais.

Há coisas visíveis, como fantasiar-se de policial para obter imagens exclusivas. E coisas menos visíveis, como os jornalistas que levam e trazem informações da Polícia, sem sequer se dar ao trabalho de checá-las; como os repórteres que, em vez de publicar as notícias que obtiveram, preferem entregá-las às autoridades.

Há jornalistas que, nos anos de chumbo, valorizavam o direito de defesa, colocavam-se a favor do respeito aos direitos humanos, mantinham-se sempre perto de um advogado (até porque, em certos momentos, só a ação firme deste advogado poderia mantê-lo vivo, incólume e em lugar conhecido). Hoje criticam “os advogados pagos a peso de ouro” – os mesmos que, no passado, os defenderam de graça – e criticam os direitos individuais. A seu ver, uma Polícia que não seja atrabiliária, uma investigação que não ofenda os direitos humanos e a possibilidade de acesso dos advogados à acusação, para que possam preparar a defesa, atrasam a punição dos culpados. Defendem a execração pública dos investigados, sem qualquer julgamento. Repetem, quase com as mesmas palavras, o refrão da direita fascista: direitos humanos são coisa de bandido. E bandido, naturalmente, é quem eles consideram bandido, e que o juiz só terá o direito de condenar. Ai do juiz que tiver idéias próprias e absolver algum cavalheiro que a imprensa considera culpado! Será patrulhado e atingido por toda sorte de insinuações.

Parafraseando Júlio Mesquita, em sua histórica polêmica com Eduardo Prado, isso não é imprensa, ou melhor, imprensa não é isso.

A culpa da vítima

Frase de um festejado comentarista de televisão, a respeito do filme Batman: “Ninguém filma Paris acabando ou Londres em pó. Mas americano paranóico só pensa em inimigos. As próprias torres encarnavam uma arrogância arquitetônica, pedindo bombardeio (...)”

A frase está errada, claro. “Paris está em chamas?”, pergunta de Adolf Hitler a seu general von Choltitz, virou livro e filme. Paris foi filmada sob bombardeio e sob ocupação; a Batalha da Inglaterra foi tema de muitos filmes, Londres sob as bombas da aviação nazista. E dizer que as torres pediam bombardeio equivale a dizer que a moça foi estuprada por causa daquelas roupas reveladoras. Pior do que atribuir às vítimas a culpa do crime, justifica o terrorismo. Inaceitável.

Meliante, suposto, quem sabe?

De certa forma, é um bom hábito: indica que os meios de comunicação hoje se preocupam em reduzir as acusações indevidas. O sujeito só passa a ser chamado de meliante, elemento, bandido, depois de condenado (ou quando se transcreve alguma peça do Ministério Público ou da Polícia).

Mas há exageros. Aquele garoto que atirou a esmo dentro de um cinema não é “suposto atirador”. É atirador, mesmo. O sujeito apanhado em flagrante quando mata alguém não é “acusado de matar”, é matador mesmo (pode ser absolvido, se a Justiça considerar que há motivos para isso, mas o fato de não ser punido não significa que não tenha matado).

O professor de jornalismo Álvaro Larangeira traz um caso exemplar, tirado de um grande jornal:

“Suspeito de ter matado jovem britânica se diz arrependido em GO”.

E analisa:

“Silogismo jornalístico:

a) Ele é o suspeito;

b) Ele confessa;

c) Logo, ele não é mais o suspeito”;

Mais claro, impossível.

(Artigo originalmente publicado no Observatório da Imprensa).

 

Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2008.

Há jornalistas loucos para fazer papel de policiais.

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