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Liberdade para membros de facção criminosa poderia ser evitada com lei sobre vídeo conferência.
por Fabiana Parajara, O Globo Online
SÃO PAULO - Uma lei federal que permita o uso de videoconferências para interrogatório de presos poderia ter evitado a liberdade de nove acusados de fazer parte da facção criminosa que comandou os ataques às forças de segurança do estado em maio de 2006, determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os nove passaram quatro anos na prisão sem julgamento. De acordo com a Vara de Francisco Morato, responsável pelo caso, muitas audiências dos acusados foram canceladas e remarcadas por "falta de efetivo estatal para apresentação de presos ao juízo criminal, tendo em vista a alta periculosidade dos agentes". Ou seja, por falta de escolta, o processo não andou.
No estado de São Paulo, algumas varas já contam com o equipamento para videoconferência, mas por falta de amparo legal, ele nem sempre é usado.
- Apesar de haver uma lei paulista que permite o uso da videoconferência em interrogatórios, o recurso não pode ser usado. É que o estado não tem jurisdição sobre o Direito Processual. Seria preciso uma lei federal autorizar o uso da tecnologia - explica o jurista Luiz Flávio Gomes, que considerou o caso uma "barbaridade".
- É inconcebível que alguém passe quatro anos preso sem julgamento. O STF agiu corretamente, tinha que soltar - afirma o jurista.
De acordo com ele, o processo deixa claro os erros dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
- A Justiça errou ao não requisitar força policial para escolta. Ela tem poder para isso. O Executivo deveria ter providenciado agentes e o Legislativo se omite ao não providenciar uma lei que permita o uso da videoconferência, que já é usada em vários países - afirma Gomes.
Gomes conta que a lei sobre a questão foi totalmente vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último mês de janeiro.
- Mas foi melhor assim, porque era uma lei muito ruim, mal elaborada - afirma Gomes.
Segundo ele, a lei, se aprovada, não preservava os direitos fundamentais dos presos e também determinava um prazo para que a tecnologia fosse adotada e ele não poderia ser cumprindo em muitos estados.
Mesmo com a falta de regulamentação, o Tribunal de Justiça de São Paulo informa que o recurso da videoconferência vem sendo usado. Já foram feitas 564 teleaudiências no estado, considerando Justiça Federal e Estadual. Desde 2005, já foram realizadas 3.533 teleaudiências. Os fóruns da Barra Funda na capital, e de Presidente Bernardes, de Presidente Venceslau, no interior, já contam com o equipamento. O mesmo ocorre nos fóruns Federal Paulista e de Guarulhos. Os presos dos Centros de Detenção Provisória de Belém I, Pinheiros I, Guarulhos II, Parelheiros e Osasco, na Grande São Paulo, e das penitenciárias de Presidente Bernardes; de Presidente Venceslau; de Itaí e a Adriano Marrey são os que podem participar das teleaudiências.
- Contudo, é uma opção temerária. Afinal, ao usar a teleconferência, o juiz assume o risco de ter o processo anulado em instâncias superiores - diz o jurista Romualdo Sanches Calvo Filho, da Academia Paulista de Direito Criminal.
Calvo Filho lembra que ministro Cézar Peluso, do STF, já anulou processos porque a teleaudiência não é autorizada por lei federal.
- Por enquanto, só temos mesmo a lei 11.719, que é federal e permite que testemunhas sejam ouvidas por videoconferência, mas não os réus - afirma.
Soltura ainda não foi cumprida
Os nove acusados ainda não foram soltos porque a determinação do STF ainda não chegou a São Paulo, de acordo com a assessoria do Tribunal de Justiça. Eles são acusados de uma tentativa de resgate de presos no presídio de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Ao todo, dez pessoas foram presas em flagrante em julho de 2004, dois anos antes dos ataques, e denunciadas por homicídio qualificado, porte ilegal de arma de fogo, falsificação de documento público, receptação e formação de quadrilha. Em abril, um dos acusados, Rafael Fernandes da Silva foi solto, exatamente por causa do excesso de tempo de prisão sem julgamento.
Em seguida, os advogados dos outros presos, entre eles, Leandro Marcelo de Souza, Bruno Alexander Freitas e Fabio Junior Gomes, pediram a extensão do benefício e foram atendidos. A advogada de Souza, Paula de Cássia Branco, no entanto, negou que seu cliente fosse integrante da facção criminosa. Segundo ela, Souza é réu primário.
De acordo com o Tribunal de Justiça, tão logo a determinação do STF seja comunicada à Vara de Francisco Morato, ela será cumprida.
Publicada em 11/09/2008 às 20h33m.
Liberdade para membros de facção criminosa poderia ser evitada com lei sobre videoconferência.