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As seguradoras e as provas de embriaguez ao volante.

por Claudio M. Robortella Boschi Pigatti



 

Em recente decisão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do voto do ministro Ari Pargendler, decidiu que a embriaguez ao dirigir pode ser considerada como agravante do risco segurado e, portanto, o segurado perder o direito à garantia sobre o objeto do contrato (entendimento do artigo 768 do CC).

Este voto veio contrariar antiga jurisprudência da mesma turma que não considerava a aplicação do artigo 768 do CC, quando o sinistro de auto se dava em situações que houvesse prova da embriaguez do motorista.

A regra atual considerada no voto deste ministro do STJ é: “se beber, não dirija”.

O acórdão ora proferido pelo STJ, evidentemente, não tem como base a Lei Seca (lei 11.705), até porque o processo é anterior, como aliás, afirmou o voto.

Enfim, o voto comentado mudou pacífico entendimento contrário da própria turma.

A lógica do agravamento do risco já era consagrada pelo Código Civil de 1916, quando dispunha que tanto o segurado como o segurador, eram obrigados a guardar, no contrato de seguro, a mais estrita boa-fé e veracidade das condições objeto da apólice.

O comentado julgamento também se funda na premissa que a seguradora não pode suportar riscos que agravem ou modifiquem o objeto segurado. Hoje, com a lei 11.705, o risco segurado passa a ser agravado pela intenção do segurado em praticar um ato ilícito (dirigir sob o efeito de bebida alcoólica).

A imprensa vem comentando o tema, inclusive através do depoimento de vários advogados especializados em direito securitário. Entretanto, o que não tem merecido real destaque é a necessidade da constatação inequívoca do estado de embriaguez ao dirigir, em regular processo administrativo, pela autoridade competente.

Para que se possa aplicar a famosa Lei Seca e, a partir daí, produzir repercussão no contrato de seguro, é necessário prévio processo administrativo de apuração da infração de trânsito (dirigir embriagado).

A lei 11.705, de 19 de junho de 2008, introduziu no ordenamento jurídico várias questões relativas ao esforço do legislativo na busca de maior rigidez em relação ao consumo de álcool pelo condutor de veículo automotor em vias terrestres públicas, objetivando, com isto, melhoria em nossa segurança viária.

Aliás, nas alterações inseridas no nosso Código de Trânsito Brasileiro (lei 9.503/97), teve maior relevância a suspensão administrativa do direito de dirigir por infração relativa à embriaguez ao volante.

A infração tipificada no artigo 165 do CTB, busca exatamente essa intenção do Legislador, ou seja, atingir uma significativa redução no número de mortos e feridos no trânsito, causado na maioria das vezes pela embriaguez.

O artigo 165 disciplina: “Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração – gravíssima; penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo Único – A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.”

O que causou, à época, grande impacto, inclusive destacado com ênfase nos órgãos de imprensa, foi a penalidade de suspensão do direito de dirigir por doze meses.

Essa penalidade é mais severa que a norma geral prevista no artigo 261 do CTB, que prevê suspensão pelo prazo de um a doze meses e, no caso de reincidência no período de um ano, de seis meses a dois anos, conforme critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), normatizados pela resolução 182/2005.

Por esta resolução, a Autoridade Executiva de Trânsito (Presidente do DETRAN) de cada Unidade da Federação, aplica a penalidade adequada a seu juízo e seguindo os ritos processuais administrativos por ela estabelecidos.

Na prática, sendo o condutor encontrado dirigindo veículo automotor em via pública, sob a influência de álcool, qualquer que seja a concentração por milímetro cúbico de sangue, o sujeita às sanções previstas no artigo 165, conforme determina o artigo 276, concedendo, inclusive, em seu parágrafo único, tolerância para alguns casos específicos, a ser regulamentado pelo CONTRAN, através da resolução acima citada e conforme já definido através do decreto 6.488 de 19 de junho de 2008.

Aqui surge a questão mais delicada: a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir não é sumária. Não pode ser imposta de imediato pelo agente de trânsito ou policial, por total incompetência de ambos para tal.

A autoridade executiva de trânsito, dentro da competência que lhe atribuí o inciso II do artigo 22 do CTB, determinará a instauração de um processo administrativo, com o objetivo de apurar a infração e, se for o caso, aplicar a penalidade prevista.

Assim como qualquer outro, o processo administrativo de trânsito deverá observar os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

A partir da constatação da infração, o agente de trânsito ou policial, irá lavrar o correspondente auto de infração de trânsito, com todas as suas formalidades e com o estrito preenchimento de todos os campos obrigatórios, sob pena de nulidade formal do auto de infração.

A seguir, a autoridade de trânsito, na sua esfera de competência e circunscrição, procederá ao julgamento da infração, aplicando a penalidade cabível.

No julgamento da infração a autoridade de trânsito deverá analisar a consistência da infração e o cumprimento das formalidades da autuação, determinando a expedição de notificação ao infrator no prazo máximo de trinta dias.

Da notificação da autuação, constará o prazo para a defesa prévia do infrator, que não será inferior a 15 dias.

O órgão de trânsito recebendo a defesa prévia, procederá à análise dos argumentos de defesa através de uma junta ou comissão administrativa de defesa, a qual, resolvendo pela manutenção do auto, determinará a devolução à autoridade de trânsito para que esta emita a segunda notificação. Esta última conhecida como Notificação da Imposição da Penalidade de Multa, prevista no artigo 282.

O infrator, a partir de então, encontra-se penalizado com a multa de trânsito, podendo, neste momento, apresentar recurso à Junta Administrativa de Recurso de Infração, no prazo não inferior a 30 dias.

Estes prazos são considerados decadenciais.

Na secretaria do JARI, o recurso será distribuído a um relator que analisará o caso e, em reunião na Junta Administrativa, dará seu parecer, que poderá ser acompanhado pelos demais membros desta Junta.

O infrator receberá notificação sobre o julgamento de seu recurso.

A partir deste momento, poderá o acusado apresentar o chamado segundo grau de recurso, em 30 dias, perante o Conselho Estadual de Trânsito do seu estado ou perante o Conselho de Trânsito do Distrito Federal. Para o conhecimento deste recurso é necessário que o mesmo seja instruído com o comprovante do recolhimento oficial da multa, sob pena de deserção.

Sendo órgão federal, o procedimento será semelhante, conforme previsão do inciso I do artigo 289 do CTB.

Se mantida a penalidade, esgota-se aqui o procedimento administrativo para eventual revogação. Nesse momento, a autoridade de trânsito determinará a aplicação da suspensão do direito de dirigir, por período de doze meses.

Portanto, somente depois de cumprido esse rito administrativo é que se configurará a infração prevista no artigo 165, sem margem de dúvidas quanto à embriaguez ao conduzir o veículo. O procedimento pode demorar um ano ou mais para ser concluído.

Antes da decisão final, não é lícito à seguradora, alegar agravamento de risco, para negar cobertura ao sinistro, uma vez que a prova da embriaguez não está concluída.

Deve-se mencionar que realizado o aviso de sinistro, a seguradora tem até 30 dias para se manifestar sobre a cobertura do seguro.

E somente poderá negar a cobertura ao sinistro, caso haja prova regular da embriaguez e que esta seja a causadora do acidente.

Isto gera impasse, pois o prazo necessário para apuração da embriaguez é longo, causando total desconforto na regulação de sinistro pela seguradora.

Ademais, nas ações judiciais que se discute o contrato de seguro, considerado como relação de consumo, há inversão do ônus da prova no processo civil, cabendo à seguradora a produção da prova desconstitutiva do direito reclamado, por entendimento do inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor.

Enfim, muitos conflitos surgirão, considerando-se as nuances aqui tratadas.

Revista Consultor Jurídico, 23 de setembro de 2008.

Sobre o autor

 

Claudio M. Robortella Boschi Pigatti: sócio do escritório Robortella Advogados e professor de Direito Securitário.

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