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CNJ e STF contra marketing policial nos autos.
por Maurício Cardoso
Para que haja isenção e imparcialidade em um processo judicial, não é adequado adotar slogans, nomes fantasia ou marcas publicitárias que contenham juízo de valor ou induzam a conclusões precipitadas sobre o objeto da investigação. Assim, o Supremo Tribunal Federal deixará de reconhecer os termos imaginosos com que a Polícia Federal costuma batizar suas ações.
As primeiras resistências surgiram, aliás, com um apelido que nada tem a ver com o marketing da PF. Foi quando uma associação de juízes resolveu chamar de "fichas sujas" o caso de pessoas contra as quais há demandas judiciais. Mas o alvo principal mesmo são os nomes carnavalescos adotados pela Polícia Federal, que contribuem para sua popularidade, mas prejudica o devido processo legal. O entendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal é que reconhecer, antes do julgamento, que acusados possam ser chamados de "vampiros", "sanguessugas" ou "gafanhotos" por exemplo, não implica propriamente em um julgamento justo. A orientação deve ser difundida com o mesmo sentido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Para os defensores da sobriedade no processo, os nomes das operações policiais, além de serem elementos de propaganda e marketing, estão carregados de simbolismos e significados que mais atrapalham que ajudam a compreensão. Sustentam também que o nome da operação acaba se tornando uma tipificação genérica para o crime que está sendo investigado. O melhor exemplo disso é o que ocorre com a mais famosa das operações da PF: o público é induzido a crer que a Satiagraha investiga delitos hediondos, mas ninguém é capaz de dizer que crimes são.
Em alguns casos, o apelido glamuroso funciona como uma camuflagem que esconde o que se está investigando de fato. É o caso da Operação Navalha, iniciada com o intuito de investigar corrupção dentro da Polícia Federal. Por motivos pouco conhecidos, o canhão voltou-se, repentinamente, para licitações de obras públicas. Mais de quarenta pessoas foram presas com grande estardalhaço. Mas a denúncia só foi apresentada doze meses depois. Nela não estavam as acusações que sustentaram semanas seguidas de manchetes. O nome fantasia, contudo, serviu de biombo e elemento de distração que ocultou o sarapatel feito.
Em outro caso de distorção embutida no nome, está a Operação Themis. A investigação foi gestada e proposta pelo próprio Judiciário. Ao entrar na fase policial, seus artífices apropriaram-se dela e a batizaram com o nome da deusa grega da Justiça — usado como um libelo contra o próprio Judiciário. Aos olhos da multidão, ficou a noção de que a PF enquadrou a magistratura.
Imparcialidade do juiz
A mesma disposição de garantir a imparcialidade do julgamento levou os ministros do STF e membros do CNJ a colocar na mesa de discussão a questão da criação da figura do juiz de instrução. Eles sustentam que não deve ser permitido que o juiz que participa do inquérito policial venha depois a julgar os réus que ele investigou. Nada contra a participação de juízes na fase de inquérito. Apenas não se pode permitir que o mesmo juiz participe do inquérito e dê a sentença.
Nesta quinta-feira o STF julgou o pedido de Habeas Corpus de conselheiro do Tribunal de Contas do Espírito Santo que pediu a anulação de ação penal contra ele no Superior Tribunal de Justiça, porque o processo foi distribuído para o ministro Teori Zavascki, que foi relator do caso na fase de inquérito.
O STF negou o Habeas Corpus. Para o ministro Ricardo Lewandowski, “entre nós, a intervenção do Judiciário no processo apenas visa coibir excessos ou ações e omissões abusivas.” O ministro Celso de Mello disse que no caso concreto, aplica-se a tese levantada pelo relator, mas ressalvou que o STF anula denúncias quando fica comprovada a violação do princípio da imparcialidade do julgador. “O tribunal não tem hesitado em anular julgamentos quando sente que essa contaminação ficou comprovada.”
Celso de Mello lembrou que a Justiça paulista criou um Dipo, o Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária, formado por juízes com a atribuição específica de acompanhar os inquéritos policiais. Mas nenhum desses juizes julga os processos, que depois são distribuídos para outros magistrados.
Celso de Mello, bem como o ministro Cezar Peluso e o presidente do STF, Gilmar Mendes, entendem que varas especializadas no combate ao crime organizado ou em crimes financeiros já revelaram sua utilidade e tem prestado ótimos serviços à sociedade. Mas entendem também que fere o princípio da imparcialidade do juiz, quando o juiz que atende ao pedido de prisão preventiva do réu é o mesmo que vai julgá-lo.
Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2008
CNJ e STF contra marketing policial nos autos.