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Artigos

Compatibilidade ou não entre Dolo Eventual e as Qualificadoras

do § 2º do art. 121 (Homicídio Qualificado) do Código Penal.

Raphael Soares Gullino

Assessor da Presidência da 116.ª Subseção da OAB do Jabaquara/Saúde

Assistente Jurídico da Miranda Junior Advocacia e Gullino Advocacia

 

Dolo é o elemento subjetivo do crime que se relaciona com a intenção do agente. Assim, diz-se que o agente que quer o resultado elencado no tipo penal, agiu com dolo. A figura do dolo se subdivide em duas categorias: o dolo direto e o dolo indireto, conhecido também como dolo eventual. Assim, o agente comete um crime com dolo direto quando quer o resultado final elencado no tipo penal, por exemplo: “A” quer matar “B” e dispara contra ele projéteis com arma de fogo. Assim, “A” agiu com dolo direto. De modo diverso, existe o dolo indireto, ou também chamado eventual, que se perfaz quando o agente, não de forma direta, mas assumindo o risco de produzir o resultado elencado no tipo penal, inicia sua conduta, pouco se importando com o resultado, quer aconteça, quer não. Assim, “A”, condutor de veículo automotor, dirigindo seu veículo a uma velocidade de 120km/h em uma via cuja velocidade máxima permitida é de 30km/h, assume o risco de produzir um resultado mais gravoso e, portanto, age com dolo eventual.

O artigo 121 do Código Penal, primeiro dos artigos que tipificam os crimes em espécie, trata do Homicídio. Homicídio, do latim hominis + excídium, significa “tirar a vida do homem”, em outras palavras, grosso modo, matar alguém. A melhor definição é a de Euclides Custódio da Silveira, cujo conceito discerne o homicídio do aborto e do infanticídio. Diz ele que homicídio é “eliminação da vida humana extrauterina praticada por outrem”.

O crime de Homicídio pode ser praticado de diversas formas, modos, meios, finalidades e com diversas intenções. Algumas delas, elencadas também no texto da lei, podem servir para aumentar a pena do acusado. São as chamadas qualificadoras do homicídio. O parágrafo segundo do artigo 121 do Código Penal elenca quais são essas qualificadoras que aumentam a pena.

As qualificadoras do homicídio se relacionam a quatro elementos diferentes que o legislador quis levar em consideração: (1) os motivos da prática do crime, (2) os meios de execução, (3) os modos de execução e (4) a finalidade do agente que praticou.

No que tange aos motivos, podem ser torpe ou fútil. O homicídio praticado por motivo torpe é aquele cuja execução se dá, em regra, em troca de uma contraprestação, seja em dinheiro, ou qualquer outra vantagem, ou, ainda, promessa. Já o homicídio praticado por motivo fútil caracteriza uma desproporção entre o ato que antecede o homicídio e a prática do crime. Assim, por exemplo, “A” mata “B” porque este não lhe cumprimentou, ou, ainda, porque o time de futebol dele ganhou o campeonato. Tais qualificadoras têm natureza subjetiva, isto é, relaciona-se diretamente ao estado psicológico do agente, os motivos de foro íntimo que o levaram à prática do ato.

Com relação aos meios de execução, isto é, aos meios utilizados pelo agente na prática do crime, o homicídio pode ser praticado com veneno (qualquer substância que, se introduzida no corpo humano, causar-lhe-á a morte), fogo, explosivo (qualquer substância que, se elevada a temperatura, estoura transformando-se em gás), asfixia (inviabilização das funções respiratórias seja por estrangulamento, por esganadura ou por enforcamento), tortura (imposição de sofrimento) ou qualquer outro meio insidioso ou cruel que provoque perigo comum (art. 121, § 2º, III, CP).

No que diz respeito aos modos de execução, ou seja, não mais ao meio utilizado, mas a forma como foi executado, o homicídio pode ser praticado à traição (quebra de confiança), emboscada (à espreita, de forma oculta, aguardando a oportunidade), dissimulação (simulação, disfarce) ou qualquer outro recurso dificulte ou impossibilite a defesa da vítima (e neste sentido, a jurisprudência vem admitindo o elemento “surpresa” como aplicável neste caso) (art. 121, § 2º, IV, CP).

Os meios e modos de execução do homicídio, elencados respectivamente nos incisos III e IV do parágrafo segundo do artigo 121 do Código Penal, são de natureza objetiva, isto é, relacionam-se ao ato praticado em si, e não ao sujeito que o pratica.

Por fim, no que concerne à finalidade do agente, esta de natureza subjetiva, tal como a motivação elencada nos incisos I e II do § 2º do art. 121, o homicídio pode ser praticado para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime.

Asseverada as considerações acerca do elemento dolo, suas modalidades e as qualificadoras do homicídios, passemos a analisar a possível compatibilidade ou incompatibilidade entre esses elementos, tema central deste estudo.

No que tange às qualificadoras de natureza subjetiva, parte da doutrina e jurisprudência divergem quanto à compatibilidade entre estas e o dolo eventual, uma vez que, a motivação e a finalidade, norteiam o dolo, e, assim, afastam a possibilidade da “eventualidade”, característica substancial do dolo indireto. Assim, não há o que se falar em homicídio qualificado cometido com dolo eventual com motivo torpe, fútil ou com qualquer outra qualificadora teleológica, elencada no inciso V do § 2º do art. 121. Ressalte-se, porém, que outra parte da doutrina e da jurisprudência, esta majoritária, entende que nos casos de “racha”, isto é, quando motoristas de veículos participam em via pública de corrida não autorizada, assumem o risco de produzir o evento “morte” por motivo fútil/torpe, concluindo-se pela compatibilidade entre o dolo eventual e a qualificadora da futilidade/torpeza.

Neste diapasão, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça se manifestou em decisão, ipsis litteris:

“HOMICÍDIO QUALIFICADO E DOLO EVENTUAL (COMPATIBILIDADE). 1. São compatíveis, em princípio, o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio. É penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil, etc., assuma-se o risco de produzir o resultado. 2. A valoração dos motivos é feita objetivamente; de igual sorte, os meios e os modos. Portanto estão motivos, meios e modos cobertos também pelo dolo eventual” (STJ - HC 58423 DF Rel. Min. Nilson Naves j. 23.04.2007)

Destaque-se, nesse sentido, acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre dolo eventual em caso da chamada “roleta russa”:

“HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL - COMETE O HOMICÍDIO COM DOLO EVENTUAL - COMETE O HOMICÍDIO COM DOLO EVENTUAL O AGENTE QUE PRATICA A CHAMADA "ROLETA RUSSA" Comete o homicídio com dolo eventual, o agente que pratica a chamada "roleta russa". Apontar, sabendo estar carregada a arma, disparando em direção a outrem, demonstra inequívoca vontade de produzir o resultado morte ou, como no caso, assume o risco de produzi-la. Quando o agente anui ao advento do resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, não há que se falar em culpa consciente, por mais sensível que seja sua distinção com o dolo eventual. Decisão unânime.” (STM Ap. 48.217/DF, rel. OLYMPIO PEREIRA DA SILVA JUNIOR, j. 24.05.1999)

As qualificadoras de natureza objetiva são classificadas, como já avençado, em de meio e de modo da execução do crime. No que tange ao modo, (traição, emboscada, dissimulação, etc.), não há o que se falar em dolo eventual, uma vez que o agente que age à traição, ou arma uma emboscada, ou, ainda, se dissimula, age com dolo direto. O que pode ocorrer, ainda, nesses casos, é o preterdolo, isto é, dolo em lesar, por exemplo, e culpa no resultado morte, mas mesmo assim, não existe a figura do dolo indireto nestes casos. Assim, se “A” arma uma emboscada para lesar a integridade física de “B” e acaba ferindo-o de maneira letal, atingindo o resultado morte, estaremos diante de um homicídio culposo. Há quem entenda de modo diverso: sendo que “A” assumiu o risco de produzir um resultado mais danoso em “B”, caracterizando, assim, o dolo eventual.

Mesmo assim, a posição não é unânime. Ademais, no que concerne às qualificadoras de meio (veneno, fogo, explosivo, etc.), admite-se a compatibilidade destas com o dolo eventual, uma vez que o agente podo, quando em poder dos elementos elencados no inciso III do § 2º do art. 121, assumir o risco de produzir um resultado danoso.

Assim, o agente que detém, por exemplo, uma tocha acesa, e faz movimentos bruscos em frente a seu companheiro, pouco se importando se isso vai causar-lhe algum dano, assume o risco de lesar ou, ainda, de matar agindo, portanto, com dolo indireto.

Portanto, em regra, se admite a compatibilidade entre o dolo eventual e as qualificadoras de natureza teleológica/finalística ressalvada a exceção cujos Tribunais vem se inclinando ao entendimento, no que tange ao “racha” e “roleta russa”. Da mesma forma, em regra, as qualificadoras de meio, por serem puramente objetivas, admitem a compatibilidade com o dolo indireto. Já as qualificadoras de modo, apesar de serem classificadas como de natureza objetiva, por envolver certo aspecto subjetivo do agente relacionado ao seu comportamento, em regra não se admite a compatibilidade com o dolo eventual. 

 

BIBLIOGRAFIA

CAMPOS, Pedro Franco de. et al. Direito Penal Aplicado – Parte Especial do Código Penal (arts. 121 a 161).

3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010

 

Site: www.tjsp.jus.br

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