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Homenagens

Verão de 1993. O Sol ainda brilhava muito na cidade de São Paulo, embora já fim de tarde, com prenúncio de forte chuva. Estava muito ansioso para ir até a Praça João Mendes Junior, onde ficava o escritório do saudoso e querido mestre José Parada Neto, onde ele realizaria o sorteio de 10 bolsas integrais de estudo para seu tradicional Curso do Tribunal do Júri e ministrado na Academia Paulista de Júri, também sob a batuta desse generoso advogado e criminalista.

 

Os tempos eram duros e a pindaíba era uma constante, considerando que tinha pouco tempo de advocacia, com especialização na área do entusiasmo, combustível da alma, casado, com um filhinho de um aninho e pouco, o Romulo Augusto, e a esposa Edneusa já grávida do segundo, cujo rebento, Jean Luca, viria ao mundo quase um mês depois, ainda pagando aluguel, enfim, a vida não estava para brincadeiras!

 

Dessa feita, ser contemplado naquele dia com uma das 10 bolsas de estudo para o curso do júri era meu único foco, eis que isso significaria em concreto dias auspiciosos, certo que poderia me capacitar para o efetivo exercício da defesa naquilo que considerava o ápice da advocacia criminal, ou seja, articular oralmente uma defesa, ao vivo e a cores, no plenário do júri, fazendo assim a diferença no concorrente e seleto mundo da advocacia.

 

Nada é tão ruim que não possa ser piorado. Já no escritório do mestre Parada, recebi a triste notícia, por Cristina, a simpática e amável filha do Dr. Parada, que eu não havia sido um dos 10 sortudos da bolsa de estudos. Como dizia um trecho de velha música, meu mundo caiu, uma vez que cobiçava fazer esse curso já há tempos e a grana nunca me permitira isso. Insisti com Cristina se não haveria a possibilidade de algum outro benefício para que eu pudesse frequentar as aulas do júri, quando ela gentilmente me falou que seu pai estava por lá e na sala ao lado e que eu poderia conversar com ele a respeito desse assunto. Fui então apresentado ao bonachão advogado, o qual se consternou por não ter sido eu um dos contemplados para a bolsa de estudos, indagando-me ainda em qual faculdade eu tinha me bacharelado, ao que lhe respondi que era a querida Mackenzie, instante em que ele, sem pestanejar, despejou que a Mackenzie só era frequentada por abastados e que, portanto, eu poderia arcar com as despesas do curso do júri. Retorqui informando que eu, como outras centenas e mais centenas de colegas acadêmicos, estudávamos à noite, justamente para trabalharmos durante o dia e pagarmos com nosso suor o valor da mensalidade do curso de Direito, tendo o querido e saudoso mestre Parada captado a minha mais que sincera mensagem e respondido em tom paternal que se ele tinha concedido 10 bolsas, não lhe custaria nada me conceder a 11.ª!

 

Fiquei exultante e dava muitas glórias interiormente ao bom Deus que mais uma vez me socorreu por intermédio do grande espírito de José Parada Neto, vaticinando ainda o mestre que eu seria um bom aluno do seu curso. Nada é tão bom que não possa ser melhorado. A bolsa de estudos que era para um semestre, transformou-se depois para todo o curso e ao longo de 2 anos, inicialmente às terças e quintas-feiras e depois em sábados alternados.

O mestre Parada não dava moleza a ninguém. Nem eu escapava, embora já fosse cego de ambos os olhos. Era fatal: ao término de cada aula, lá vinham as temidas, porém, profícuas quatro tarefas, as quais até hoje guardo no meu arquivo, consistentes em uma pesquisa doutrinária, outra jurisprudencial, uma peça prática e uma redação cujo tema era eleito por ele. Esta última era fundamentada por ele em razão de que o advogado, embora não escritor profissional, deveria escrever razoavelmente bem. Essas quatro tarefas eram rigorosamente corrigidas por ele e entregues a cada um dos participantes do curso, com pertinentes observações, demonstrando aí o zelo do mestre, sua dedicação, altruísmo e acima de tudo vocação para tão nobre mister.

 

Posso orgulhosamente informar que, ao longo dos 2 anos de curso, não perdi uma aula sequer, inclusive indo a uma delas com o pé direito quase que engessado, uma vez que acreditava (e o tempo depois me deu razão!), que a sabedoria daquele homem deveria ser absorvida em toda sua inteireza, eis que tudo seria útil na minha nobre especialização do júri.

 

Meu corpo e minha alma durante aqueles 2 anos (1993/1994), centraram-se exclusivamente nas aulas do saudoso Dr. José Parada Neto, Corinthiano mais que entusiasmado. Praticamente esqueci o mundo para me dedicar a isso como meta. Já no último semestre do curso, no ano de 1994, destacava-me mais pela fé, entusiasmo e determinação do que pela inteligência, levando assim o mestre Parada a dizer em classe e por diversas vezes que o meu diferencial de bom aproveitamento se devia ao fato de eu não assistir televisão e por isso tinha mais tempo que os demais para estudar (eu era cego!), o que despertava inúmeros risos entre mim e os meus colegas de turma.

 

Qual ainda não foi a minha grata e marcante surpresa quando na festa de confraternização do encerramento do curso, em dezembro de 1994, ter sido pego de surpresa e mais uma vez pelo generoso mestre, o qual me convocou (não me convidou!), para integrar o corpo docente da Academia Paulista de Júri já para o ano de 1995. Confesso ter na ocasião ficado embasbacado com tão inusitada solicitação, considerando que aquele que tem como único instrumento um martelo, pensa que todo problema é prego, qual seja, não enxergava e nunca tinha dado aula e tampouco tinha curso de Pós-Graduação para encarar de frente e com eficiência tão hercúlea tarefa, razão porque no início titubeei. Contudo, o bom Deus, como sempre, deu-me sua boa guia, permitindo-me abraçar e também segurar com unhas e dentes tão honroso convite e que transformou-se em mais uma opção de trabalho no largo leque da advocacia, enfim, fui lançado no magistério e também, claro, no mundo do júri pelo grande homem e advogado José Parada Neto, o qual veio ao mundo em 10/06/1946 e deixou-nos órfão em 12/11/1999. Jamais vou me cansar de dizer em todas as oportunidades que tiver que a gratidão é a mãe de todas as virtudes, razão porque externo merecidamente minha gratidão a tão generoso, dedicado advogado e marcante professor, também com honrosas menções à Deise Maria Galvão Parada, Cristina Galvão Parada, Fernando Galvão Parada e Marli Parada.

 

Deus que tudo contempla, não há de esquecer toda a generosidade que fizeste para mim enquanto aqui na Terra.

 

Dr. Romualdo Sanches Calvo Filho

Advogado e Presidente da APDCrim

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